quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Falta de tempo para ler


“Eu também havia de ler muito, não fosse a falta de tempo e o facto de os livros serem tão caros”. Ernesto J., meu amigo.


Regresso à Biblioteca Municipal, depois de cumprida a penalização de 43 dias, por atraso na entrega dos livros do último abastecimento. Leitura para o fim-de-semana de três dias – escolha criteriosa e por isso demorada, que resultou em quinhentas e tal páginas de prosa distribuídas por quatro ou cinco volumezitos daqueles que ainda se conseguem meter numa pasta de estudante já cheia.


Andei de estante para estante, ao acaso, cultivando a dificuldade da escolha – primeiro, o périplo dos americanos (lembro-me de Roth, Cummings, Cormack e de ter passado, altivo, ao lado de velhas glórias em que costumo reincidir, como o Hemingway e o Saroyan; eu procurava o “Manhattan Transfer”, do John dos Passos), demorando-me depois nos europeus – os russos (está em projecto um retorno em força ao Dostoiewski, depois dos “Contos de São Petersburgo” acabados de ler) e outros que mais, ou autores-refúgio como o Coetzee, o Sarat Marai ou o Chatwin (“Anatomia da Errância”, nunca lido, está na lista dos próximos). As escolhas acabaram por ser um (velhito) Alberto Moravia – “Passeios africanos” (1987), conjunto de notas de reportagem de uma viagem em África, ainda jovem, como jornalista, por terras da Tanzânia, Gabão, Zaire e Zimbabwe –, “A linguagem dos pássaros” (2001), o primeiro de Ana Teresa Pereira que entra cá em casa, ficando em carteira algum mais dos que escreveu, com destaque para um volume de contos, e mais dois autores-refúgio: Paul Bowles (“Muito longe de casa” (1992), com paisagens, cheiros e gente da região do Niger, e Guillermo Cabrera Infante.


“É tudo um jogo de espelhos” (1999), do autor de “Três tristes tigres” (1964) ou “Havana para um infante defunto”(1979), entre outros, revelou-se, afinal, um livro de contos já lido, dando a este Pepe (que é uma forma de dizer José, em espanhol) a oportunidade de revisitar três histórias, daquelas de guardar: a primeira, de José Castro Espinoza, o tio Pepe de “O meu personagem inolvidável”, notável pela arte de ler jornais, pela sua boa voz, ouvido musical e o amor desmedido pela ópera, o seu interesse pelo desporto, a obsessão pela cultura e o fanatismo pela higiene corporal; oficial de detecção de fraudes, foi um fanático germanófilo e um incondicional da revolução cubana, tendo morrido em casa, de um problema cardíaco, um tempo depois de ter sido vingada a sua morte às mãos de uns índios mexicanos ainda fiéis a ritos canibais dos antigos maias; a segunda, tão verdadeira quanto pode ser uma história contada por uma sogra chamada Carmen, em cumprimento de uma promessa à Virgem do mesmo nome, chama-se “A voz da tartaruga”, na realidade uma caguama, cujo sexo – quase de mulher – deu fama a um rapaz da aldeia; a terceira e última trata de duas bengalas, ainda que o título só tenha uma: é a “História de uma bengala e algumas observações de Mrs. Campbell”, contada primeiro pelo senhor Campbell, escritor profissional, e corrigida, depois, pela sua senhora, Mrs. Campbell. Recomenda-se.


Escrevo na manhã do terceiro dia, que vou dedicar ao volume que resta por ler, o do Moravia. Se não se revelar de boa colheita, volto ao “Dublinesca”, do Enrique Vila-Matas, trazido de Bilbao este mês e já encetado.


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