sábado, 20 de março de 2010

A criatividade d' O Suspiro atirada às urtigas

O concurso apelava à criatividade dos sócios, a quem se pedia que propusessem um título para o boletim do Grupo Desportivo e Cultural da Companhia de Seguros Tal; a lista dos títulos propostos seria votada pelos sócios, num processo democrático muito ao arrepio das regras vigentes ao tempo, no ano de 1972.

“Para ele concorrer, de certeza que foi para ganhar algum tostão", diria a mãe. O que tinha o seu fundo de verdade – para ganhar 5 tostões, o infante era capaz de tudo: de ir buscar um cântaro de água, na hora do calor, ou de ir escrever uma carta à avó sem fazer beiça, de ir comprar meio litro de petróleo à mercearia, dizendo, no fim, sem vergonha, “é para pôr na conta”. Seria até capaz de acreditar, pelos cinquenta centavos, na possibilidade de ganhar uma corrida à Rosalina Papoila, uma campeã local de corridas - lembram-se? Mas, talvez não; talvez não houvesse nenhum prémio em dinheiro e o infante fosse apenas empurrado pelo gosto da escrita.

No fecho da votação, os dirigentes do Grupo Desportivo tinham nas mãos um "terrível" problema: entre os 7 ou 8 títulos que tinham ido a votos, com nomes tão dignos para título de publicação – O Leme, “um título bastante forte”, O Segurário “bastante sugestivo” ou até “um título simples como Boletim de Desporto e Cultura” – a vontade soberana do pessoal tinha-se inclinado para O Suspiro do Mexilhão. As ânsias do promotor da iniciativa eram notórias e a modos que justificadas, pois quem seria capaz de pedir à Administração o subsídio para a edição mensal de um “pasquim” com tal nome?
A proposta era que o infante retirasse o título. Tanto mais que – o interlocutor foi muito claro nisso – um tal nome até “podia trazer problemas à Companhia, ao Grupo Desportivo e (quem sabe?) até ao autor do título. O Leme, por exemplo, é um bom título, e poderás lá escrever quando quiseres. E a gente dá-te o prémio, na mesma”, concluiu o Fernando M., deixando muito subentendido o nome do Ferrer, um colega publicamente referenciado como informador da "pide".
Encheu-se de brios, o rapaz. "Porque sim: o pessoal tinha escolhido o Suspiro do Mexilhão, provavelmente por brincadeira; ou para chatear - que na altura até dava gozo. Seguindo a sugestão do M., eu estava a defraudar os “mexilhões” que tinham votado no dito cujo; isso irritava-me, mas eu podia bem com isso. Agora, o título era bom e eles atreviam-se a mandá-lo às urtigas. Com licença, e vai de lhes chapar um 'Não' redondo na cara. E assim fiz, matando provavelmente à nascença um escritor-esperança, em minha opinião um rapaz com muito potencial. Olha, continuei nas cartas comerciais. O prémio? Era em dinheiro, e bom. Mas que me interessava isso? Olha os 25 tostões que me deram de prémio, numa corrida que ganhei a uma campeã absoluta. Eu que era perdido por ganhar uma "coroa" que fosse, aqueles vinte e cinco tostões não me souberam a nada. Porque eu de facto ganhei à Rosalina, em corrida, mas acho que foi por ela ter escorregado - e assim não dá gozo".