domingo, 5 de julho de 2009

Os 10-20 mais, com creme de coentros

Criatura muito criteriosa, Maria Fernanda não lê qualquer coisa. "Ler, só livros bons", disse e foi-se. Abençoada.
Eu, por mim, ponho-me a pensar e não atino com os livros que levaria para a ilha deserta. Lembras-te?, é aquela pergunta clássica que fazem nas revistas quando entrevistam alguém mais dado às coisas do espírito. Não sei mesmo. Quais os livros elegíveis? Aqueles a que voltamos de vez em quando, por necessidade ou como lugar de refúgio, por isso já lidos e relidos (nem sempre da primeira à última página, por vezes só uma passagem que sabemos onde se encontra, ou simplesmente umas páginas ao acaso), ou o livro de cabeceira, que não tenho, ou aqueles que formam o tabernáculo da biblioteca pessoal? Ou os mais valiosos (e aqui será preciso discernir se o plano é o do valor material, o do valor afectivo ou outro qualquer)?
Acontece a lista dos livros incontornáveis estar sempre por fazer, por causa do que ainda não se leu - e é tanto, considerando que o conteúdo de uma Biblioteca, como a Nacional de Lisboa, se exprime em quilómetros de prateleiras (mais de trinta, no caso) e a edição em Portugal ronda os 12 mil títulos por ano.
Assim sendo, além do meu quase conterrâneo Eugénio e do Camilo, dos escritos sobre o ofício do historiador - de Duby e Braudel -, de uma colectânea de memórias de uma meia dúzia de livreiros-alfarrabistas de Lisboa e do Porto (quando existir), do Cardoso Pires e do Garcia Márquez, levarei para a ilha o que li e o que falta ler. E arranjem maneira de fazer lá chegar a nova produção editorial, que há-de alimentar tantas horas de leitura e deleite.
As listas dos "mais" têm a sua graça: "Os 10 mais de sempre da New York Review of Books" (Homero, Dante, Cervantes, Shakespeare, talvez Camões, Joyce, ...), "Os 100 livros do século", "As escolhas definitivas de Bernard Pivot" ou a biblioteca ideal de fulano ou cicrano, que são verdadeiros certificados de menoridade cultural passados ao comum dos leitores, arrumando-nos, em definitivo, no submundo dos pobres ignorantes dos que não leram a obra-prima A ou outra de idêntico valor. Uma vergonha.
Ah, também se organizam listas dos livros detestáveis. Vi nove autores de prosa, e um poeta, todos portugueses, há uns 20 anos, trucidarem de uma penada a Condessa de Ségur (sim, a d'Os Desastres de Sofia, madame, digamos assim, Sophie Feodorovna Rostopchine), o Camilo da Maria da Fonte, d'O Livro Negro e das Estrelas Propícias, a Agustina (ela própria respondente) d'Os Meninos de Oiro, o Pessoa das Quadras ao Gosto Popular, a par d'O Nome da Rosa, do Kundera e do Diário, de Torga.
Mas, sobre escrever mal, nada há que se compare a Vasco Pulido Valente, que aqui reproduzo para não me esquecer: "A Agustina ofusca pela retórica, bebida na tradição portuguesa do sermão, mas tudo aquilo, descodificado, é nada, ou é uma patetice. o Virgílio Ferreira é muito mau escritor, de terceira ou quarta classe. A Natália Correia é um compêndio de escrever mal. Mas é assim, o que é que se pode esperar de um país que tem entronizado como grande escritor o Torga, o mestre Torga que anda por aí com a sua boina feito parvo? E ainda há o Lobo Antunes. A esse, francamente, nem acredito que alguém o leia. Eu que tenho uma grande embocadura, consigo ler tudo, nunca consegui ler um livro dele até ao fim". Vá lá, salva-se o Eça.
A V.P.V., glória eterna pela grande embocadura (dá cá a mão), com ressalva para a sobranceria. Grande ego, meu, tu lá sabes!
Bem. Não me chegou a vergonha de ter lido o Torga e de gostar dele. É verdade que hoje acho menos graça a coisas que idolatrei noutro tempo; e o contrário também se passa. Mas, tenho para mim que estes tipos que têm opiniões tão acabadas sobre o que é bom e o que não presta apenas querem encavacar-nos com tanta sabedoria e bom gosto. Não é o caso da Maria Fernanda, tenho a certeza.
Para as monsenhorias do bom gosto em matéria de livros, uma tirada de Camilo, para relativizar a coisa. Faça favor, senhor Castelo Branco: "Constou-me aqui há dias que a senhora Joaquina de Villalva tinha um gigo de livros velhos entre duas pipas na adega, e que as pipas, em vez de malhais de pau, assentavam sobre missais. O meu informador denomina missais todos os livros grandes; aos pequenos chama cartilhas".
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SOPA CREME DE COENTROS

Ingredientes:
750 g. de batatas
1 molho de coentros
2 dentes de alho
1 cebola
1 dl. de azeite
1 l. de água
sal q.b.

Descasque as batatas, corte-as e lave-as.
Numa panela, com cerca de 1 litro de água, leve-as a cozer juntamente com os alhos, os coentros, a cebola e o azeite.
Depois de tudo cozido, passe tudo com a batedeira.
Rectifique de sal e está pronto a comer.