domingo, 7 de junho de 2009

O roubo de um saco de livros (e o consolo de uma sopa de castanhas)

Quem nunca roubou, fosse coisa de valor, ou uma insignificância, que se levante! Depois, pode atirar a primeira pedra.
… Vêem alguém de pé? Eu também não. Nem um só, para amostra.
No mundo dos consumidores de livros - coleccionadores, bibliófilos ou simples leitores - encontrar alguém que nunca tenha fanado um livrito é coisa bastante rara. E, para que conste, ser uma dessas avis rara, até nem é o melhor cartão de visita.
Não estou a falar dos que se "esquecem" de devolver o livro que (quantas vezes muito contrariados) emprestámos. Isso é um expediente de sornas, indigno e condenável a todos os títulos. Também não é o caso dos profissionais do roubo, nem daqueles cidadãos de superior honestidade cujos nomes aparecem associados a grandes feitos nesta matéria (se querem saber, gente da estirpe de um general de Napoleão Bonaparte, que incorporou a Bíblia dos Jerónimos na biblioteca da sua casa, em Paris, ou um tal Ataíde que, nos anos de 1940, fez um roubo muito sério na Biblioteca Nacional de Lisboa, avaliado, ao tempo, numas dezenas de milhar de contos). Como já se percebeu, falo de coisas prosaicas, do livro que se meteu no bolso enquanto se dá a volta pelos escaparates e estantes de uma livraria (sendo de uma biblioteca, já estamos a falar de outra coisa - é uma opinião); falo de pecadilhos menores, os de toda a gente.
Para que conste, ZéTê, que nunca roubou um livro, é a minha excepção.

Foi há uns 20 anos, em mil novecentos e oitenta e poucos. Pela Europa, a generalidade das lojas (as livrarias incluídas) protegiam-se com sistemas anti-roubo; mas o ZéTê não sabia. “Entrei naquela livraria e não queria acreditar”, contou-me ele. “Uma livraria de 3 pisos, onde havia, literalmente... tudo! Na cave, na secção de História, encontravas todos os livros que estavam em todas as bibliografias da Faculdade, que nunca ninguém tinha ‘cheirado’, por estarem indisponíveis em Portugal e por não ser fácil comprá-los directamente". O meu amigo fez uma pausa; e eu, calado. Ele prosseguiu: "Fui saltando de um para outro; durante 4 horas, folheei dezenas de livros. Eram todos bons, interessavam-me todos.
Quando ouvi o sinal de que a livraria ia fechar, concentrei-me no monte dos livros que tinha seleccionado - eram muitos. Num cálculo rápido, concluí que os ordenados dos próximos três meses não seriam suficientes para pagar tanto livro.
Não me lembrava de ter visto nenhum empregado, o tempo todo, naquele piso. Num raciocínio rápido, meti metade dos livros no saco que trazia ao ombro e comecei a subir as escadas. A ideia era, uma vez alcançado o rés-do-chão, sair como quem não quer a coisa. Ninguém ia dar por nada e a causa era boa.
A meio da escada, esmoreci; tanta facilidade era demais. Na ausência de risco, voltei atrás, abri o saco e deixei lá os livros todos."

Verdade, verdadinha, a minha excepção, o ZéTê, esteve a pontos de conseguir o impossível - o mais ingénuo dos frequentadores da principal livraria do boulevard Saint Michel, em Paris, ser preso por tentativa de roubo de um saco de livros sobre a história medieval francesa. Admiro-o por isso.
Não ganhou honra, nem glória, em terras de França; mas, continuamos a acreditar que, um dias destes, ele nos vai aparecer aí com uma grande surpresa.
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Sopa das castanhas

300 g de castanhas piladas
50 g de miolo de pão
4 fatias de pão
Salsa e coentros (semente)
Sal e pimenta
Folhas de hortelã
2 l de água
4 colheres de vinagre
3 colheres de mel

Coza as castanhas em água e sal.
Entretanto, esmague num almofariz a salsa picada e as sementes de coentros.
Junte o miolo de pão e continue a esmagar tudo, juntando o vinagre, até fazer uma spécie de papa.
As castanhas, logo que cozidas, devem ser retiradas do lume e reduzidas a puré, com a ajuda de um garfo.
Junte tudo na água em que cozeu as castanhas, adicione um pouco de pimenta (muito a fugir) e corrija de sal.
A seguir, deixe ferver alguns minutos, juntando depois o mel e mexendo muito bem, para integrar tudo.
Sirva em tijelas, onde colocou previamente 2 ou 3 folhas de hortelã.