domingo, 26 de abril de 2009

A mala de Joaquim Maia, livreiro

Joaquim Maia se chamava o livreiro; não tinha loja aberta – uma arrumação, se tanto, esconsa, ali no bairro de Santos, a Palhavã, em Lisboa, nos idos de 1970, quando o tempo da “evolução na continuidade” do Professor Marcello já fora e “o Botas” já batera as suas. Os dias, dividia-os o homem entre os armazéns das casas editoras e as empresas onde trabalhavam as suas dezenas de fregueses.
De tempos a tempos, lá nos aprecia o amigo Maia, levando algum livro encomendado na visita anterior e as capas das mais recentes novidades editoriais. Os actos decorriam ali ao balcão, ele do lado de fora, como se fosse um cliente, e nós – uns dois ou três, revezando-nos – da parte de dentro, sem abandonar o espaço de trabalho.
Feitas as entregas e recolhidas as novas encomendas, passava-se ao terceiro acto, protagonizado por um ou dois livros extraídos do fundo da enorme pasta do livreiro – proibidos, com a edição já apreendida pela polícia ou a caminho de o ser. Os exemplares disponíveis ficavam sempre lá, que, em tempos tais, proibido era sinónimo de vendido.
Dessas colheitas ficaram-me um Canto Novo, com versos do José Afonso-cantor, e um seu meio-irmão com título de O nosso amargo Cancioneiro, reunindo a poesia cantada fora do circuito legal, e outras coisas pouco alinhadas, como romances do Alves Redol, as peças do Bernardo Santareno, a nada desalinhada prosa do José Gomes Ferreira, as "Novas Cartas Portuguesas", das Marias Teresa Horta, Isabel Barreno e Velho da Costa, o "Maria de Nazaré", do padre Mário de Oliveira em crise de vocação, os “Cadernos Dom Quixote” todos, a "Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica", com algumas pérolas logo memorizadas pela malta, para serem repetidas até fartar (o Botto do “Nunca te foram ao c.,/ nem nas perninhas, …”, o mais citado de todos, a propósito, ou não). O infalível engodo do “proibido” até me levou a comprar um desinteressante e tedioso "O Pavilhão dos Cancerosos" e um "Portugal e o Futuro", que não cheguei a ler.
Visita do livreiro sem terceiro acto soava a meia desfeita. Isso explica, em grande parte, a falência, depois do 25 de Abril de 1974, do modelo de negócio que, durante anos, dera de comer à família Maia e assegurara à malta a leitura de cada dia. Com consequências, está bem de ver: o livreiro estabeleceu-se, passando a vender cromos, cadernetas, pastilhas e congéneres; entre a freguesia, parte dela nunca mais comprou um livro que fosse; quanto ao escriba, perdeu de vez a vergonha e passou a frequentar as livrarias.
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É sempre fastidiosa – mas educativa – a leitura das listas dos livros proibidos. O regime anterior a 25 de Abril de 1974 (a lista completa está em Livros proibidos no regime fascista, publicada em 1981), proibiu Marx e os “patriarcas socialistas”, mas também Bertrand Russel, Flaubert, La Fontaine, Rabelais, Steinbeck, Graciliano Ramos e Jorge Amado, Torga e muitos portugueses, sendo Tomaz da Fonseca o mais proibido de todos. Até uma "História de Portugal", versão vulgata, do António Sérgio, e um "Vimaranis Monumenta Historica", do conservador Alfredo Pimenta, muito lixo, pornográfico ou não, o José Vilhena incluído.

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Sopa de nabiças

Ingredientes
2 l. de água
1 molho de nabiças
0,5 dl. de azeite
500 g. de batatas
1 cebola
Sal q.b.

Cozem-se as batatas e a cebola na água previamente temperada com sal.
Quando estiverem cozidas, reduzem-se a puré, com a batedeira.
Leva-se novamente ao lume e, quando levantar fervura, juntam-se as folhas de nabiça, previamente lavadas, e o azeite.
Deixa-se cozer durante 10 minutos e está pronta a comer.