domingo, 12 de abril de 2009

Já puseste da saúde? ou as cartas para os tios de Lisboa

A avó começava a fazer o cerco muitos dias antes. Hás-de-me ir lá escrever uma carta para os teus tios", era a sentença repetidas as vezes necessárias, até me ter sentado numa cadeira, tendo à frente a mesa da sala e, nela, o papel da carta. A longa função ia começar! Na primeira linha, o local e a data, como mandava a regra: [Casal da Fraga, 12 de Maio de 1963]; nas seguintes, o [Meus queridos filhos] da ordem e os dizeres da saúde: [estimo que ao receberdes esta vos encontrais (sic) de saúde, na companhia de quem mais desejardes. Nós cá ficamos como Deus permite]. Ao lado, então, a avó já dormia, cumprindo-se, também nisso, o ritual associado às cartas para os tios, umas três ou quatro vezes, se tanto, em cada ano.
- Avó?!
E ela abria os olhos, para dizer:
- Já puseste da saúde? Diz que nós estamos bem.
E retomava o fio do sono, para desespero do infante-escriba, afrontado com a urgência do regresso à brincadeira.
- Isso já está, . Diga lá mais.
- Lê lá.
E ele lia aquele nada que estava escrito, avaliando o escrevente que, das quatro páginas do papel de carta, ainda nem uma estava meia. E a avó já dormia outra vez. Quando é que ele ia conseguir sair dali?
- !
- Han? Ah, sim, diz que nós estamos bem.
- Já está, ! O que é que escrevo mais?
A avó pensava um bocadinho e dizia, passando a mão esquerda pelos olhos e descendo-a pela cara:
- De noite, tinha assunto para quatro ou cinco cartas; agora não me vem nada à ideia. Diz que recebemos a carta dele e assim [Recebemos a vossa carta e por ela soubemos notícias e como estavam todos bem e com saúde, graças a Deus] e com isto se enchia a página da frente da carta.
Numa sacudidela, novas queixas da avó pela falta de assunto. E a função longe, longe de acabar.
- , agora escrevo na folha a seguir ou salto?
- Como não me lembro o que é que se há-de dizer, salta logo para a outra. Pergunta lá se têm visto os teus outros tios.
Mansamente, a avó retornara ao sono e ele a não querer esquecer nenhuma palavra, que todas eram precisas para compor uma missiva com o mínimo de dignidade. Deixando em branco as quatro ou cinco primeiras linhas, escrevia: [Então tendes lá visto os vossos irmãos, irmãs, cunhados e cunhadas, sobrinhos e sobrinhas e restante família? Então e eles estão bem? Estimo que estejam todos com saúde. Quando os voltardes a encontrar, dai-lhes recomendações nossas e dizei-lhes que temos muitas saudades de todos e que não se esqueçam de escrever à mãe e ao pai.]
- , já escrevi dos tios.
Depois de uma pausa longa, acordada, a avó tornava-lhe:
- Ai que não me lembro mesmo de mais nada! E estou aqui a perder tempo, com tanto que fazer. Ainda tens muito para escrever? Deixa o resto dessa folha e passa logo para a última. Manda-lhes as despedidas, minhas e do avô.
[Sem outro assunto, despeço-me por hoje...]
O das letras nem cabia nele, gritando por dentro: "Malta, eu vou já para aí, é só acabar isto!"
[... com muitos beijos para todos, para os vossos filhos e restante família e cumprimentos a quem por nós perguntar. Recomendações e saudades do vosso pai e da vossa mãe, que vos deitam a benção, Francisco e Maria do Rosário.]
- Já está, !
- Já acabaste? Lê lá tudo.
E ele lia, ligeiro, com um pé já na escada, a avó acordada o tempo todo.
- Está bem - dizia ela. - Agora só falta fazer o envelope com a direcção. Onde é que eu guardei a carta que eles mandaram?
E levantava-se para ir à procura na gaveta dos garfos e das colheres, na mala da roupa, no baú do enxoval da tia mais nova, na mesa de cabeceira, no vão do postigo do quarto, em cima da mesa, ... em todo o lado, já a repetir os sítios. E era então que ele deixava de ouvir, lá fora, as vozes dos companheiros de bola.
"Lá se foi a desforra!"
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SOPA DE CEBOLA

Ingredientes:

3 cebolas grandes

2 colheres de sopa de manteiga

1 colher de sopa de farinha de trigo

250 g. de fatias finas de pão

125 g. de queijo de bola

Queijo do Alentejo ralado, caldo de carne e sal - q.b.

Cortam-se as cebolas em rodelas finas e cozem-se lentamente na manteiga, até começarem a corar.
Salpicam-se com a farinha, mexem-se e cobrem-se com bastante caldo.
Deixe ferver 10 minutos, para apurar.
Num tabuleiro Pyrex põem-se em camadas alternadas as fatias de pão torradas, fatias de queijo e colheradas de caldo com as cebolas, até terminarem os ingredientes secos.
Cobre-se tudo com o resto do caldo feito com as cebolas, que é indispensável ser abundante para as sopas não fiarem secas e duras.
Polvilha-se por cima com o queijo ralado e mete-se em forno forte durante 15 minutos para a superfície gratinar.