“Para ele concorrer, de certeza que foi para ganhar algum tostão", diria a mãe. O que tinha o seu fundo de verdade – para ganhar 5 tostões, o infante era capaz de tudo: de ir buscar um cântaro de água, na hora do calor, ou de ir escrever uma carta à avó sem fazer beiça, de ir comprar meio litro de petróleo à mercearia, dizendo, no fim, sem vergonha, “é para pôr na conta”. Seria até capaz de acreditar, pelos cinquenta centavos, na possibilidade de ganhar uma corrida à Rosalina Papoila, uma campeã local de corridas - lembram-se? Mas, talvez não; talvez não houvesse nenhum prémio em dinheiro e o infante fosse apenas empurrado pelo gosto da escrita.
No fecho da votação, os dirigentes do Grupo Desportivo tinham nas mãos um "terrível" problema: entre os 7 ou 8 títulos que tinham ido a votos, com nomes tão dignos para título de publicação – O Leme, “um título bastante forte”, O Segurário “bastante sugestivo” ou até “um título simples como Boletim de Desporto e Cultura” – a vontade soberana do pessoal tinha-se inclinado para O Suspiro do Mexilhão. As ânsias do promotor da iniciativa eram notórias e a modos que justificadas, pois quem seria capaz de pedir à Administração o subsídio para a edição mensal de um “pasquim” com tal nome?
A proposta era que o infante retirasse o título. Tanto mais que – o interlocutor foi muito claro nisso – um tal nome até “podia trazer problemas à Companhia, ao Grupo Desportivo e (quem sabe?) até ao autor do título. O Leme, por exemplo, é um bom título, e poderás lá escrever quando quiseres. E a gente dá-te o prémio, na mesma”, concluiu o Fernando M., deixando muito subentendido o nome do Ferrer, um colega publicamente referenciado como informador da "pide".
Encheu-se de brios, o rapaz. "Porque sim: o pessoal tinha escolhido o Suspiro do Mexilhão, provavelmente por brincadeira; ou para chatear - que na altura até dava gozo. Seguindo a sugestão do M., eu estava a defraudar os “mexilhões” que tinham votado no dito cujo; isso irritava-me, mas eu podia bem com isso. Agora, o título era bom e eles atreviam-se a mandá-lo às urtigas. Com licença, e vai de lhes chapar um 'Não' redondo na cara. E assim fiz, matando provavelmente à nascença um escritor-esperança, em minha opinião um rapaz com muito potencial. Olha, continuei nas cartas comerciais. O prémio? Era em dinheiro, e bom. Mas que me interessava isso? Olha os 25 tostões que me deram de prémio, numa corrida que ganhei a uma campeã absoluta. Eu que era perdido por ganhar uma "coroa" que fosse, aqueles vinte e cinco tostões não me souberam a nada. Porque eu de facto ganhei à Rosalina, em corrida, mas acho que foi por ela ter escorregado - e assim não dá gozo".
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